Aquele Inverno em Veneza (Don´t Look Now)

Donald Sutherland e Julie Christie encarnam um casal fragilizado pela recente morte da sua pequena filha. Sutherland deixa Londres com a esposa e parte para Veneza, onde vai trabalhar no restauro de uma igreja antiga. Eles fogem ao seu drama pessoal e procuram refúgio na cidade italiana. A sua fuga ao ambiente onde decorreu a tragédia pareceria uma solução ideal mas em Veneza eles vão encontrar algo mais de terrível e de inevitável. O perigo, esse não se sabe bem de onde pode vir. Mas a inquietação está presente em quase todas as cenas do filme, às vezes, metamorfoseando-se em medo evidente, outras vezes numa angústia contida mais ou menos indescritível. O encontro insólito e recorrente com as duas idosas inglesas é determinante. Sendo uma delas cega e declarando-se “médium”. E testemunhando que vê a filha do casal no meio deles. Os olhos da senhora são baços e sinistros. Mas não serão aquelas mulheres particularmente estranhas e suspeitas? Laura (Julie Christie) acredita no que lhe é dito e a possibilidade de a filha estar viva parece deixá-la serena e esperançosa. Mas acreditar numa mentira pode ser uma falsa abertura para a felicidade. John (Donald Sutherland) é ateu, céptico e demove-se de acreditar em tudo o que lhe declaram. Se ele corre perigo, e as premonições existem e fazem sentido, uma tragédia pode estar a abater-se sobre ele. Este inquietante filme transporta-nos para um universo angustiante em que os acontecimentos se desenrolam diante dos nossos olhos sem a nossa compreensão das realidades. Mas atenção: ao contrário do que acontece com David Lynch, que cada vez mais filma o irracional e o inconcebível, Nicolas Roeg cede aqui uma resolução para todos os enigmas. Tudo tem uma explicação, todas as peças do «puzzle» se encaixam com engenho e nada é deixado ao acaso. O argumento genial é inspirado num dos contos insólitos mais brilhantes que já li: Don’t Look Now da romancista inglesa Daphne Du Maurier. É um conto que se lê com fascínio e que justapõe o drama pessoal dos personagens à fatalidade em que se vêem enredados num sombrio Inverno passado em Veneza. O brilhantismo do realizador Nicolas Roeg está em conseguir transpor o elemento macabro e insólito do conto para um filme que ele constrói com maestria e talento. Respeitando a história original mas concebendo-a como um interessante produto cinematográfico. Don’t Look Now, título original do filme, é a primeira frase expressa na narrativa de Daphne Du Maurier e também o título do conto. Curiosamente, no filme, nenhum dos personagens profere esta expressão. O Não olhes agora evidencia desde já uma inquietação sobre qualquer coisa, qualquer entidade, qualquer fenómeno que se pode abater sobre nós.
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